Sinto que a filósofa capixaba Viviane Mosé expressou, em forma de poema, o que Lowen desenvolveu em seu livro Alegria: a entrega ao corpo e à vida.
Concordo com Mosé: as pessoas adoecem por "gostarem" de palavra presa. Muitas de nossas doenças nascem da nossa obsessão pelo controle. Nascem do nosso "gosto" em seguir acreditando (ou tentando fingir para os outros) que somos invulneráveis, inatingíveis, inabaláveis. Nascem da crença de que somos (ou temos que ser) bonzinhos demais e que não podemos soltar "aquela" palavra que está na ponta da língua. Nascem da crença de que mesmo não soltando-a, ainda assim, somos muito maldosos, pois no íntimo sabemos que ela continua ali, talvez não mais na ponta da língua, porém engasgada na garganta ou alojada de forma indigesta no estômago.
Invulnerabilidade, indiferença e bondade absoluta são irrealidades que a palavra presa tenta tornar reais. E é claro que o projeto está fadado ao fracasso. Palavra presa gera adoecimento (físico ou emocional) e se há alguma sensação de segurança na não expressão dos sentimentos, ela é ilusória.
Adoecemos por "gostar" de acreditar que ao nos desligarmos de nossos corpos e das nossas emoções estaremos protegidos. Ledo engano! Cultivar palavra presa é cultivar a ilusão da supremacia do ego sobre o corpo e as emoções.
Toda palavra presa limita a motilidade do nosso corpo, que se tenciona cronicamente com a energia presa dos sentimentos reprimidos. Habitar uma casa/corpo entulhada de emoções reprimidas é viver com muito pouco espaço para a alegria. Reduzimos nossa liberdade, nossa auto expressão, nossa vitalidade e a qualidade do nosso ser e estar no mundo e nas relações.
Adoecemos por "gostar" de acreditar que ao nos desligarmos de nossos corpos e das nossas emoções estaremos protegidos. Ledo engano! Cultivar palavra presa é cultivar a ilusão da supremacia do ego sobre o corpo e as emoções.
Toda palavra presa limita a motilidade do nosso corpo, que se tenciona cronicamente com a energia presa dos sentimentos reprimidos. Habitar uma casa/corpo entulhada de emoções reprimidas é viver com muito pouco espaço para a alegria. Reduzimos nossa liberdade, nossa auto expressão, nossa vitalidade e a qualidade do nosso ser e estar no mundo e nas relações.
As emoções são correntes de energia que se
movem pelo corpo, são movimentos ou impulsos dentro do corpo que geralmente resultam em alguma ação. Um ato, uma expressão, uma palavra... E palavra boa é palavra líquida, escorrendo, fluindo.
Esse estado de fluidez, liberdade e espontaneidade é uma condição natural que perdemos ao longo do tempo, um estado que experienciamos na tenra infância, quando inocentes e livres não tínhamos inibições ou culpas pelos nossos sentimentos. Éramos, consequentemente, mais receptivos ao sentimento da alegria. E como pontua Lowen, alegria significa nada mais e nada menos do que estar com o coração aberto para as emoções, prazerosas ou dolorosas, permitindo que fluam e se expressem livremente. Só na abertura conseguimos recuperar a alegria que foi maculada pelas circunstâncias que nos frustraram e trouxeram dor ou tristeza. Lutar contra elas é em vão, nenhum sentimento deixa de existir ou de atuar pela repressão. Luta e alegria são incompatíveis. Uma criança pequena é capaz de se incendiar de raiva num minuto e no minuto seguinte transbordar de felicidade. Ela não se prende a dor: sente, expressa e deixa ir.
Essa autenticidade, porém, logo é cerceada, reprimida, punida e "rotulada" pelos pais e educadores como sendo muito perigosa: "Que menina feia você é, ninguém vai gostar de você assim!"
Essa autenticidade, porém, logo é cerceada, reprimida, punida e "rotulada" pelos pais e educadores como sendo muito perigosa: "Que menina feia você é, ninguém vai gostar de você assim!"
Controlar a expressão de nossas emoções mais fortes torna-se, então, sinônimo de pertencimento. Afinal, qual criança suporta a rejeição ou a ameaça da retirada do amor pelos pais? Queremos todos ser "bons meninos", queremos ser amados e precisamos dessa confirmação/aceitação para sobreviver, ao menos na infância. Diante do medo da rejeição, a "solução" que a criança encontra é passar a sentir culpa e vergonha dos seus impulsos naturais. Em nome da sobrevivência, optamos pela repressão dos nossos sentimentos.
"Eliminamos os sentimentos tencionando o corpo e restringindo nossa respiração, mas ao fazer isso eliminamos também a possibilidade de alegria. (...) embalsamamos o passado em nossos corpos, o passado continua vivo na tensão. Aliviar a tensão permite-nos dar um passo para nos livrarmos do passado. Mas a tensão só pode ser aliviada se a pessoa expressa o sentimento que está contido na tensão" (Lowen, Alegria, p.59)
A tensão nos maxilares, por exemplo, pode estar relacionada com a repressão dos impulsos de chorar ou morder. As tensões nos músculos do ombro podem denotar o quanto a expressão da raiva está bloqueada. A tensão que circunda a cabeça na base do crânio e que se propaga pela articulação temporomandibular é a principal resistência à entrega, é o principal mecanismo por meio do qual a pessoa se agarra ao controle. Independente de onde a tensão está localizada, sua principal função é bloquear a expressão. Enrijecemos o corpo para bloquear os impulsos ameaçadores que não ousamos expressar e, assim, imobilizamos e perdemos o contato com certas áreas do nosso corpo e também da nossa psique, pois corpo e mente são uma unidade.
"A tensão crônica é o equivalente físico do medo" (Lowen, Alegria, p. 41). E o medo da punição e da rejeição talvez seja o responsável majoritário pelo nosso "gostar" de palavra presa. Vivemos num conflito entre expressar o que sentimos e o medo de fazê-lo. Temos medo da expressão, temos medo da retaliação, mas o nosso maior medo é o dos nossos próprios sentimentos, que com o processo de "educação" passaram a ser vistos como ameaçadores e perigosos.
Tensão é prisão. Prisão é pessoa endurecida, sobrecarregada por palavras presas, por sentimentos calcificados. A vida é um processo fluido que se torna parcialmente congelado em estados de rigidez, que são estados de tensão. Em alguns casos, o choro funcionará como um degelo, em outros, o estado congelado só poderá ser transformado pelo calor - o calor da raiva.
Como entoa Mosé: dor endurecida é tumor, raiva endurecida é tumor, alegria endurecida é tumor, pessoa endurecida é tumor. Palavra boa é palavra liquida escorrendo em estado de lágrima. Lágrima é dor derretida, lagrima é raiva derretida, lagrima é alegria derretida, lágrima é pessoa derretida.
O choro é uma emoção que alivia. Chorar não muda o mundo lá fora, mas muda o mundo aqui dentro, apazigua a tensão e a dor.
"(...) O choro é como a chuva do céu que fecunda a terra (...) e certamente precisamos de uma chuva leve regularmente para manter nosso planeta verde e nossas almas lavadas" (Lowen, Alegria, p. 58).
A raiva é uma emoção restauradora e protetora, "é uma força da vida positiva que tem fortes propriedades curativas" (Lowen, Alegria, p. 91). Ela nos protege das ameaças externas e assegura e restabelece nossa integridade. É uma reação natural em situações que ferem ou ameaçam nossa integridade ou liberdade e, assim sendo, a capacidade de senti-la e expressa-la adequadamente é sinal de saúde.
Sentir e expressar adequadamente! Seja qual for o sentimento, esse é o caminho para amolecermos os poemas endurecidos do corpo e resgatarmos nossa alegria. Alegria enquanto entrega ao corpo e à vida.
"A alegria pertence ao reino das sensações corporais positivas: não é uma atitude mental. Não se pode decidir ser alegre. As sensações corporais positivas começam partindo de uma linha de origem que pode ser descrita como 'boa'. O seu oposto é sentir-se 'mal', o que significa que, em vez de uma excitação positiva, há uma excitação negativa de medo, desespero ou culpa. Se o medo ou desespero for muito grande, a pessoa reprimirá todo sentimento, caso em que o corpo se torna insensível ou sem vida. Quando os sentimentos são reprimidos, a pessoa perde a capacidade de sentir, que é a depressão, um estado que infelizmente pode torna-se um modo de vida. Por outro lado, quando a excitação prazerosa aumenta, a partir da linha de origem da sensação boa, a pessoa conhece a alegria. Se a alegria transborda, torna-se êxtase. Quando a vida do corpo é forte e vibrante, o sentimento, assim como o tempo, é variável. Podemos estar sentindo raiva num momento, depois afeto, e chorar a seguir. Assim como o sol pode aparecer depois da chuva, a tristeza pode transformar-se em prazer. Essa mudança de humor, assim como uma mudança no tempo, não compromete o equilíbrio básico da pessoa. As mudanças acontecem na superfície e não perturbam as pulsações profundas que proporcionam uma sensação de bem-estar à pessoa. A repressão do sentimento é um processo de insensibilização que diminui a pulsação interna do corpo, sua vitalidade, seu estado de excitação. Por esse motivo, reprimir um sentimento é reprimir todos os outros. Se reprimimos nosso medo, reprimimos nossa raiva. A repressão da raiva resulta na repressão do amor (Lowen, Alegria, p.20).
Me lembrei daquela expressão "mas vale um pássaro na mão do que dois voando". É claro que este provérbio é polissêmico, como todos os outros, e talvez ele nunca tenha sido evocado com a acepção que me ocorreu agora. Mas aproveitando o ensejo de não cultivar palavra presa, expresso o que senti ao me recordar dele:
Se, nesse momento, o que está "em suas mãos" é a tristeza, é mais seguro ficar com ela. Sentir, expressar e dar passagem... É falsa a sensação de segurança que advém da luta pelo controle dos sentimentos. É preferível encarar o sentimento real que está nos habitando aqui e agora do que lutar para negá-lo. Diante do esforço para reprimir a tristeza podemos nos enrijecer ao ponto de prejudicarmos a nossa a capacidade para sentir também a alegria. Fugindo de um, podemos perder os dois! Mas vale ficar com a tristeza, do que perder a capacidade de sentir... tanto a tristeza quanto a alegria!
Essa perspectiva pode parecer absurda num primeiro momento, mas no texto Abordagem junguiana do sofrimento- parte 1 elaborei um pouco mais sobre a importância de atravessarmos nossos "pântanos escuros", lançando mão da coragem e do fôlego que obtemos quando abandonamos a ilusão de que a vida é, ou deveria ser, composta apenas por "campinas ensolaradas". A verdade é que
"Assim como o dia não existe sem a noite, nem a vida sem a morte, a alegria não pode existir sem a tristeza. Há dor na vida, assim como prazer, mas podemos aceitar a dor desde que não estejamos presos a ela" (Lowen, Alegria, p.19).
Todos nós fomos, em alguma medida, profundamente feridos na infância. Carregamos dor em nossos corpos e temos medo de cair, ao encararmos nossas antigas feridas, em desespero mortal. Mas se nos fechamos para a dor, inevitavelmente acabamos nos fechando também para o prazer. Não dá para ficar só com um dos lados da moeda. A vida é um ciclo, uma alternância de opostos. Podemos aceitar a noite na medida em que sabemos que o dia uma hora nascerá.
Todos os sentimentos são legítimos. Eles são a vida do corpo e condenar qualquer sentimento é condenar a vida. Podemos, em nome da harmonia social e do bem-estar coletivo, valorar atos e comportamentos como "certos" ou "errados", mas nunca um sentimento. Por isso, tal como Mosé, eu também tenho apreciado o pensamento chão, os poemas que nascem do pé, os sentimentos expressos com o pé no chão.
Estar com os pés no chão é estar
em contato com nossa realidade externa e interna, com a
realidade do corpo, dos sentimentos e emoções. É estar enraizado, presente no aqui e agora. É respirar
livremente, fazer contato com os olhos e expressar através da voz e dos
movimentos o que pulsa em nosso coração.
O senso de segurança, o eixo e o centramento
necessários para que consigamos estabelecer relacionamentos saudáveis dependem de uma percepção realista do mundo externo e de nós mesmos. Lowen associa o estar com o pés no chão (grounding) com a capacidade de sustentar nosso espaço, nossas ideias, opiniões e pontos de vista. Estar sobre os próprios pés significa sentir-se independente e livre.
Liberdade é o oposto de controle e tensão, porém não é o oposto de autodomínio. Autodomínio não é sinônimo de controle, não é sinônimo de palavra presa. Autodomínio significa que o indivíduo está em contato consigo mesmo, sabe o que sente, não tem culpa ou vergonha pelo que sente e é capaz de expressar-se de modo apropriado para promover seus maiores interesses. Está no comando de si mesmo, no sentido de que está livre dos controles inconscientes decorrentes do medo de ser ele mesmo; livre das tensões musculares que bloqueiam a auto expressão e limitam sua auto percepção consciente; está em sintonia com a auto aceitação e com a liberdade de ser (Lowen, Alegria).