Meu intuito não é expor um resumo ipsis litteris das reflexões feitas por
Marcus Quintaes na palestra "A tristeza é azul: notas arquetípicas sobre a melancolia". Meu interesse é apenas compartilhar (e, acima de
tudo, organizar internamente!) algumas impressões, expor as marcas impressas em minha subjetividade pelo "enfoque cromático" de certos estados psíquicos (depressão, tristeza, melancolia, apatia,
desespero, inanição...). Conciderá-los como portadoras de uma "tonalidade azul" nos permite compreender que são, antes e para além da abordagem
redutiva dos diagnósticos, situações inerentes à alquimia exsitencial.
Vale ressaltar que é impossível arrolar todas as
interessantes ideias com as quais entrei em contato. Algumas (sobretudo aquelas referentes à alquimia), não serão mencionadas por exigirem maiores elaborações que tornariam o
texto muito denso. Listo apenas aquelas que
chamaram mais a minha atenção, ideias que puderam se ligar com outras já pré-existentes
e que, por isso mesmo, ecoaram em mim. São como
ideias-sementes que foram lançadas em terrenos já conscientes e que, portanto,
são passíveis de germinar e brotar, agora, em palavras...
Vamos ao que interessa: às impressões
- Podemos
pensar a depressão como uma espécie de homogeneização de estados psíquicos
distintos. Em baixo “do guarda-chuva depressão” encontramos inúmeras condições
psíquicas que não podem ser reduzidas ao diagnóstico patologizante conhecido
como depressão. As consequências dessa generalização são a medicalização e os
esforços contínuos para extirpar todo e qualquer sentimento “não alegre”.
- Vivemos sob a égide de uma cultura
performática, hedonista, competitiva, imediatista, consumista e, principalmente,
perversa. Sua crueldade consiste no fato de que ao mesmo tempo em que rejeita a letargia, a tristeza, a depressão, a apatia, a dúvida, a melancolia (a
lista é grande!), ela é mestra em gerar em nós (com todas as suas exigências, protocolos
e receitas prontas para o sucesso) todos esses sentimentos/estados/sensações tidos como indesejáveis,
inadequados e contraproducentes. Essa contradição é responsável por muitos conflitos intrapsíquicos e interpessoais.
- A tristeza é, em si, uma condição existencial
não patológica. Tanto a alegria quanto a tristeza são “personagens” no palco da
vida e ambas merecem seu devido reconhecimento. Apesar da aceitação e
enfrentamento da tristeza não serem encorajados por nossa cultura unilateral
(onde só há espaço para o belo) o esforço legítimo não deve ser o de eliminá-la
automática e drasticamente toda vez em que entra em cena. O mais sensato é
buscar formas de afirmar a vida apesar de sua tragicidade. E uma delas (que
encontra no setting terapêutico um lugar privilegiado) é ir em busca das
imagens da tristeza. Ao invés de fugir, buscar um relacionamento com essas
imagens numa tentativa de individuá-las, ou seja, de conduzi-las a um estado
de maior diferenciação e consciência. (Para os não familiarizados com o conceito
junguiano de individuação vale, em caráter propedêutico, ler a breve descrição do Wikipédia ou ainda a do Dicionário Crítico de Análise Junguiana).
- Nesse sentido, cabe ao analista se questionar o
quanto é capaz de suportar a tragicidade das histórias que batem a sua porta, o
quanto é capaz de receber o trágico sem se coadunar ao imediatismo de soluções
e o amortecimento da dor por vias alienantes, tão caras à nossa sociedade. O
convite analítico é o de descer ao mundo subterrâneo para possivelmente se
reerguer com uma maior compreensão, seja do sofrimento em questão ou do fato de que as
chagas são intrínsecas à condição humana O
pedido (do) inconsciente do analisando é, como cantou Nelson Cavaquinho, o de que tiremos
o nosso sorriso (muitas vezes amarelo e “chocado”) do caminho para que ele
possa passar com a sua dor. E passar, é o verbo exato!
Essas são apenas algumas reflexões suscitadas pela
palestra e mais desdobramentos
ainda virão!
Finalizo citanto Connie Zweig e Jeremiah Abrams (em "Ao Encontro da Sombra"). São palavras que vão ao encontro do exposto aqui e na palestra:
"A depressão também pode representar uma confrontação paralisante com o lado escuro, um equivalente moderno da 'noite escura da alma' do místico. Nossa exigência interior para que desçamos ao mundo subterrâneo pode ser suplantada por considerações de ordem externa (como a necessidade de trabalhar por longas horas), pela interferência dos outros ou por drogas antidepressivas que amortecem a nossa sensação de desespero. Nesse caso, deixamos de apreender o propósito da nossa melancolia" (p.18)
3 comentários:
Muito bom.
Muito bom.
De grande beleza,inteligência e sensibilidade!
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