Este é um espaço para a reflexão de temas que em algum momento e por alguma razão (do meu contexto pessoal ou da minha prática clinica) se tornaram, usando uma expressão gestáltica, importantes FIGURAS no imenso FUNDO existencial.

19 de maio de 2013

Diante da crítica - a importância do outro no processo de autoconhecimento

Em O trabalho com a sombra mencionei que a forma mais eficiente para adquirirmos um conhecimento aprofundado sobre nós mesmos, e principalmente sobre nosso lado obscuro, é por meio do olhar do outro. 

Na análise, esse processo de ampliação da consciência e de assimilação de nossas porções inconscientes ocorre em parceria com o analista, que usa suas técnicas, seu arcabouço teórico e, principalmente, sua sensibilidade ("timing") para ajudar o analisando a ter insights e gradualmente obter uma melhor compreensão do seu funcionamento psíquico inconsciente. Só que essa experiência de autoconhecimento, apesar de ter no setting terapêutico um lugar privilegiado, não se restringe apenas ao contexto psicoterápico. Estamos cotidianamente diante da oportunidade de crescimento pessoal, pois estamos sempre recebendo importantes feedbacks das pessoas que convivem conosco. Ora são diretos, ora surgem nas entrelinhas, mas o que não muda é a dificuldade que normalmente sentimos em aceitá-los. 

Em "Diante da crítica", Carlos Hilsdorf apresenta interessantes reflexões sobre como lidar com os feedbacks que recebemos. Não conhecia o autor até ter tido, por acaso, acesso a esse texto. Após uma pequena pesquisa sobre ele, confesso que não me interesso por nenhum do seus livros e sei que não teria me interessado caso tivesse esbarrado com algum deles numa livraria. Mas, por considerar válidas e pertinentes suas pontuações sobre o desenvolvimento da competência para suportar e aproveitar as críticas, compartilho na íntegra seu artigo. 



DIANTE DA CRÍTICA
Carlos Hilsdorf


Quando desenvolvemos uma competência nos tornamos mais fortes diante da vida e de seus desafios. Dentro do rol das melhores competências que podemos e devemos desenvolver encontramos uma que nitidamente se destaca: a nossa competência em suportar a pressão das críticas!

As críticas se dividem em dois grandes grupos: as construtivas e as destrutivas.

Uma crítica é construtiva quando tem por finalidade contribuir com o nosso aperfeiçoamento. Por aperfeiçoamento devemos entender o foco em aprimorar nossas forças e diminuir nossas fraquezas.

No caso da crítica construtiva, quem o está criticando vai sempre lhe apontar uma deficiência (fraqueza) ou falta de eficiência (uma força que não está sendo plenamente ou corretamente utilizada). Em ambos os casos esta pessoa está lhe fazendo um favor porque está lhe ajudando a ampliar suas percepções a respeito de si mesmo.

Não é raro que alguém lhe faça uma crítica inesperada. Nestes casos nossa primeira reação é a surpresa seguida imediatamente do julgamento de que a crítica só pode ser absurda e improcedente. É comum julgarmos absurdo ou improcedente aquilo que não passa pela nossa cabeça. Mas isto não invalida a importância da crítica! 

Quanto mais rara for uma crítica, tanto mais importante ela tende a ser, portanto infinitamente maior a importância de a ouvirmos com atenção e refletirmos em profundidade sobre ela.

Diante de críticas construtivas o procedimento é simples. Ouça com toda a atenção, independentemente de suas impressões e julgamentos com relação ao autor da crítica. Desenvolva um profundo respeito e gratidão pelas críticas construtivas, elas são sempre um convite ao aperfeiçoamento e um poderoso remédio contra a vaidade.

Atente para uma questão muito importante: o fato da intenção da crítica ser construtiva não significa que a pessoa que a fez tenha habilidade em comunicá-la da melhor forma. Gentileza, boa educação e habilidade interpessoal não são características comuns a todos os bem intencionados. Isto significa que em muitas situações uma crítica construtiva, que muito pode contribuir com sua vida, poderá vir em péssima ''embalagem''. Preste mais atenção no conteúdo da crítica que na sua forma. Conheço várias pessoas de valor, sinceras e bem intencionadas que não sabem dizer as coisas com ''jeitinho''. Afinal por que esperar que as críticas venham apenas de pessoas craques em relacionamento e comunicação?

Vejamos agora as críticas destrutivas.
Uma crítica é destrutiva quando tem por finalidade desestruturar, ferir, magoar ou desorientar. Observe que o fato de você ter se magoado não significa, necessariamente, que a crítica tenha sido destrutiva. Alguém pode se magoar por tendência em colocar-se no papel de vítima, baixa auto-estima, falta de humildade ou excesso de vaidade, e nestes casos a responsabilidade pela mágoa é toda sua.
A crítica é destrutiva quando é apresentada com o objetivo claro de causar dano ou ofensa, visando impedir seu processo natural de evolução. Esta é uma arma muito utilizada por pessoas presas aos processos de inveja, ciúme e maldade.
Mesmo nestes casos, ouça atentamente a crítica. Lembre-se que alguém na tentativa de magoá-lo pode, ainda assim, dizer-lhe uma verdade. Seus oponentes podem ser pessoas inteligentes e a crítica apesar de maldosa, pode conter elementos verdadeiros.
Neste caso este ''oponente'', por ironia do destino, estará lhe fazendo um bem, desde que você possua a humildade de analisar e refletir sobre o conteúdo da crítica!
Caso a crítica esteja fundamentada em conteúdo falso, maledicente ou preconceituoso, considere que não se atiram pedras em árvores sem fruto; toda tentativa de apedrejamento visa sempre derrubar os frutos. Inocente ignorância dos apedrejadores, porque, mesmo conseguindo o feito, se esquecem de que os frutos caídos no chão experimentarão o tempo e a decomposição e voltarão a frutificar, de uma ou de outra maneira, pois cada semente dá origem à essência interior que carrega. Já as pedras caídas no chão permanecerão pedras, e as mãos que as atiraram terminarão vazias, tão vazias quanto o coração e a alma que lhes ativaram o movimento.

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